O papel estratégico da defesa comercial

Segundo o ministro do MDIC, Marcos Jorge, o sistema de defesa comercial do Brasil é referência internacional pela OMC

Publicado em 25/10/2018 - 00:00 Atualizado em 5/6/2020 - 11:55

A defesa comercial é peça relevante da política de comércio exterior. Utilizada de maneira equilibrada e em conformidade com as regras, é garantia de mais e melhor comércio. Seu objetivo é combater práticas desleais, como dumping e subsídios governamentais, que distorcem a competição internacional e causam dano ao setor produtivo do país importador. Em última análise, portanto, a defesa comercial contribui para o desenvolvimento sustentável da produção e das trocas comerciais entre países.

Ao longo dos últimos 70 anos, a defesa comercial tem exercido papel estratégico na liberalização do comércio. Os sucessivos esforços multilaterais de redução de tarifas vieram acompanhados de incertezas e preocupações nos países envolvidos. Assim, a defesa comercial foi essencial para preparar o ambiente doméstico e angariar o apoio necessário para o processo de maior abertura dos mercados desses países. Não à toa, grandes players comerciais, como os Estados Unidos, a União Europeia, o Canadá e a Austrália figuram entre os seus principais usuários. Como consequência, os mecanismos de defesa comercial foram incorporados e disciplinados nos acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC).

No Brasil

O sistema de defesa comercial foi desenvolvido a partir da década de 1980, sendo hoje referência internacional de excelência técnica e aderência às regras da OMC. Tanto é assim, que jamais uma decisão da autoridade brasileira – o Departamento de Defesa Comercial (Decom) do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) – foi condenada pela entidade. As investigações no país são minuciosas e garantem ampla oportunidade de defesa e contraditório a todos os interessados. Seus procedimentos são modernos, transparentes e conduzidos em plataforma digital.

As normas brasileiras também vão além das obrigações multilaterais, garantindo isonomia e parcimônia ao sistema, a exemplo da regra do “menor direito”, que resulta na aplicação de medidas na dose mínima necessária para neutralizar o dano verificado. O elevado rigor técnico do Decom se comprova em números: a cada dez pedidos de investigação, menos de quatro resultam em medidas. Trata-se de um dos índices mais criteriosos do mundo.

A decisão do Brasil de criar um sistema de defesa comercial se baseou no interesse público de preservar o comércio leal e o funcionamento saudável da produção local. Comprovada a ocorrência de condutas desleais, a regra é corrigir seus impactos negativos sobre as empresas brasileiras por meio da aplicação de medidas de defesa comercial. Excepcionalmente, é possível suspender tais medidas, mesmo quando presentes os requisitos técnicos para a sua utilização. Essa alternativa – também fundada em interesse público – confere maior flexibilidade e equilíbrio ao sistema brasileiro, permitindo que a decisão governamental leve em conta amplos fatores econômicos e de política externa.

O Brasil é um dos raros países que permitem o recurso a essa cláusula, que deve necessariamente ocorrer de forma motivada, transparente e mediante o devido processo legal. Isso porque significa tolerar a continuidade de importações lastreadas em práticas distorcivas, que desestabilizam os setores produtivos nacionais.

Impactos

O efeito da defesa comercial no comércio exterior brasileiro sempre foi e continua sendo pontual. O conjunto de medidas em vigor em 2017 representou somente 1,1% do valor total das importações. No ano passado, o Brasil registrou o menor número de investigações iniciadas desde 2005. Por sua vez, o total de direitos aplicados em 2017 caiu quase 40% em relação ao ano anterior e quase 60% na comparação como o ano de 2013, quando houve o maior índice de medidas. Corrobora-se, assim, o entendimento de que esses “remédios comerciais” têm sido aplicados no Brasil apenas para combater condutas desleais – e não para compensar déficits de competitividade. Logo, a busca necessária por maior produtividade na economia não deve envolver restrições à defesa comercial.

Se o Brasil faz uso criterioso da defesa comercial, tal compromisso nem sempre é acompanhado pelos demais países. Entre 2011 e 2016, o mundo aumentou em 61% o uso dessas medidas, muitas vezes sem a devida fundamentação e em violação às regras multilaterais. Importantes exportações brasileiras, como de açúcar, de aços laminados e de carnes de frango, têm sido duramente prejudicadas por restrições dessa natureza. Isso sem mencionar a recente disseminação de ações unilaterais, que ferem as normas da OMC e geram insegurança e imprevisibilidade para os negócios globais. O governo brasileiro condena esses casos e tem atuado de forma incisiva para defender os interesses nacionais no plano externo.

O Brasil está decidido a se integrar mais ao mundo. Busca-se ampliar a rede de acordos comerciais com parceiros relevantes como a União Europeia, a EFTA, o Canadá e a Índia. Novas oportunidades de negócios estão sendo abertas, por meio da conclusão de acordos de compras governamentais, serviços e investimentos na América Latina e para além dela. O país também tem promovido diversas ações de facilitação do comércio exterior brasileiro, a partir da drástica redução de burocracia, prazos e custos para se exportar e importar. Essa agenda ambiciosa demanda apoio e engajamento de toda a sociedade e do setor produtivo em particular.

Além disso, quanto mais intensas as trocas comerciais do Brasil com o mundo, maior será a probabilidade da ocorrência de práticas desleais. Nesse contexto, a manutenção de um sistema de defesa comercial confiável, previsível e eficaz assume papel estratégico, colocando-se como elemento fundamental para o êxito da estratégia brasileira de inserção internacional.

*Marcos Jorge é ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC)
Artigo originalmente publicado pela Agência CNI de Notícias 

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