Até quando haverá outras Sônias Valérias?

Artigo escrito por Ossesio Silva, deputado estadual pelo PRB Pernambuco e coordenador geral da Frente Parlamentar de Combate ao Extermínio da Juventude Negra no estado

Publicado em 12/9/2016 - 00:00 Atualizado em 5/6/2020 - 14:03

Dias atrás, mais um caso de racismo ganhou repercussão nacional graças à sua divulgação na mídia. Na Praia da Reserva, Recreio dos Bandeirantes, no Rio, a pedagoga Sônia Valéria Fernandez humilhou e ameaçou mandar a milícia paga por ela, matar a agente de viagem Sulamita Mermier por esta ser negra. Nas redes sociais, o vídeo gravado por Sulamita viralizou, teve mais de sete milhões de visualizações e passou dos 50 mil compartilhamentos em apenas dois dias.

No vídeo, Sônia diz a Sulamita, com o dedo em riste e em voz alta e descontrolada: “Você nasceu mulata, fazer o quê? Nasça branca, porque preto é nojento, é sub-raça”. Como deveria ter sido, a pedagoga foi presa pela polícia e levada à delegacia, sob aplausos dos banhistas. Lá na delegacia, como não deveria ter acontecido, a pedagoga preferiu ficar em silêncio e se negou a pagar os R$ 2 mil estipulados como fiança. Na audiência de custódia, realizada no dia seguinte, o Ministério Público opinou pela liberdade provisória da racista, mediante pagamento de R$ 500 de fiança.

Diante de tudo isso, o artigo 5º da Constituição Federal, que considera a prática de crime inafiançável, imprescritível e sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei, mais parece hoje um amontoado de letras mortas, presas ao papel. Ou seja, certa da impunidade que assola o País, a pedagoga resolveu pagar R$ 500 para manifestar o ódio que sente pelos negros, mesmo pelos que nunca viu na sua frente. Pior nisso tudo é que ela já responde na Justiça por um outro caso de injúria racial e preconceito. Nem por isso sentiu-se impedida de manifestar seu ódio aos negros outra vez.

E aí me pergunto: Que País é este onde se faz de conta que racismo é crime e os racistas serão punidos por isso? Que País é esse onde uma pedagoga se acha no direito de ser racista? Que tipo de educação ela transmitirá aos seus alunos? Certamente vai ensiná-los a também odiar os negros. Até quando haverá outras Sônias Valérias em nossas vidas?

É preciso que se dê um basta nessa situação. O caso dessa pedagoga não é único. Há em todo o País milhares e milhares de Sônias Valérias humilhando e ameaçando negros. São casos que se repetem todos os dias, todas as horas, em público, e nem por isso ganham mídia nacional. São casos que se encobrem com o manto da impunidade.

Até quando teremos de lembrar que não somos um Brasil de raízes arianas? Até quando precisaremos explicar que somos um povo miscigenado, forjado na mistura de raças, de povos e de diferentes etnias, e precisamos reconhecer nosso real valor a partir daí? Guardo comigo uma frase do ex-imperador etíope, Hailé Selassié, que diz: “Enquanto a cor da pele for mais importante que o brilho dos olhos, haverá guerra”. Mesmo que todos saibamos que não é cor da pele que faz o homem melhor ou pior, parece que o racismo continuará a atormentar a vida dos negros no Brasil por um bom tempo.

*Ossesio Silva é deputado estadual pelo PRB Pernambuco e coordenador geral da Frente Parlamentar de Combate ao Extermínio da Juventude Negra da Assembleia Legislativa do estado

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