Salve as Negras Pensantes

Artigo escrito por Tia Eron, deputada federal pelo PRB Bahia (Licenciada) e secretária de Promoção Social e Combate a Pobreza de Salvador

Publicado em 24/7/2017 - 00:00 Atualizado em 5/6/2020 - 12:45

A História reserva à mulher momentos peculiares. Historicamente, em qualquer momento em que a ela se recorra, a presença da mulher emerge como ícone delimitador de transformações e avanços sociais, econômicos e políticos. Ilustro isso com o Dia da Mulher Negra da América Latina e do Caribe. Trata-se do dia 25 de julho, instituído pelas Nações Unidas, como o Dia Internacional da Mulher Afrodescendente.

Dia que eu não poderia deixar passar invisível ou renegada, visto que tal festividade existe desde 1992, ano em que se reuniram na República Dominicana mulheres afro-latino-americanas e caribenhas. Estima-se que mais de 80 milhões de mulheres se reconhecem como afrodescendentes na América Latina, e o ponto em comum entre elas é a certeza de que a mulher negra até hoje ainda sofre com o terrível e hodierno crime de racismo que não reconhece nossos grandes valores culturais e sobretudo nossa sabedoria.

Outra razão importante para celebrar este dia foi o descobrimento científico em 1986, confirmado depois com análise de DNA, de que a África é a Pátria Mãe da Humanidade. Isso quer dizer que todos e todas nós somos afrodescendentes. A pesquisa comprovou que o primeiro grupo humano que se tem registro viveu na África Oriental, hoje Etiópia, Kênia e Tanzânia cerca de 150 mil anos atrás, posteriormente migrando para as regiões da Ásia e Europa.

Estes fatos fizeram com que a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, proclamasse em 18 de dezembro de 2009, o ano de 2011, como o ano Internacional dos Afrodescendentes. Isso significa dizer que oficialmente, “os afrodescendentes representam um setor definido da sociedade cujos direitos humanos devem ser promovidos e protegidos”.

Um grupo, onde há ainda outro grupo específico de vítimas, identificado como o das mulheres negras cuja luta e resistência nos permite afirmar que jamais vão assassinar a utopia que nos faz acreditar, que é pela organização das mulheres negras que vamos firmar uma consciência na população de que há discriminação em todos os níveis. O sexismo e o machismo haverão de ser extintos como legado histórico e uma nova relação social há de surgir.

Esta luta também persiste no Brasil, basta olhar por dentro, ou para além do discurso silenciador que não há racismo ardil e velado, perversidades de um machismo e um preconceito que matam, cruciam, brutalizam e desintegram mulheres negras. Exemplo: Se estou com uma roupa de marca, um bom sapato, vestida de acordo com o padrão social imposto, vão achar que não pertenço àquele ambiente, causo desconfiança. Se estou no topo comandando, julgam-me como arrogante, problemática, subiu pra cabeça ou despreparada. Se entro numa grife então, jamais serei a cliente em condições de consumo e sim a vendedora. Se possuo um carro, esse também jamais me pertenceu!

Assim é o preconceito do Brasil, conforme dados divulgados no Geledes, quando há uma violência contra a mulher, a vítima é negra em mais da metade dos casos. Esses dados reforçam o mundo inseguro em que vivem e justifica o porque ocupam no ranking nacional a cadeia de vulnerabilidade social. Fora as 12 milhões de mulheres que já sofreram algum tipo de ofensa verbal em 2016. Outras 5,2 milhões foram assediadas e humilhadas publicamente no transporte público; 4,4 milhões sofreram uma violência física como tapa, chute ou soco; 1,4 milhão foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento, em 61% dos casos por conhecidos. E o pior dos dados: 52% dos episódios em silêncio total ou nada fizeram.

A maioria das mulheres negras possui em suas memórias as terríveis marcas da opressão avivadas pelo sexismo todos os dias, rememorar esse dia é reconhecer, descortinar a história dessas mulheres que devem estar no centro do panteão cultural brasileiro, que infelizmente pouco se conhece sobre nossas heroínas negras: Maria Felipa, Dandara, Zeferina, Luíza Mahin, Carolina de Jesus, Firmina Reis, Laudelina Mello, Tereza de Benguela e tantas outras.

Essas negras trouxeram uma nova ordem cultural que contraponha a “contracultura” existente e que pulsa pelo respeito, pela solidariedade e pela isonomia nas relações entre homens e mulheres, desde o ambiente doméstico, ao ambiente laboral, passando pelos espaços de participação político, acadêmico e cultural, dentre outros.

Romper a “contracultura” consiste na quebra dos paradigmas, superar preconceitos, por fim a todas às formas de discriminação são esses os contemporâneos desafios, postos para a consolidação de uma nova ordem cultural, cuja base estará fincada na igualdade e na equidade como condição necessária.

Assim o dia 25 de julho, vem como um momento épico para reafirmar a luta por melhores condições. Condições que serão efetivadas quando a sociedade, o Estado e cada uma de nós, formos capazes de entender o sentido, o aspecto e o significado das palavras da embaixadora argentina nas Nações Unidas, Marita Perceval: “¡Negra soy, pero bonita!” dice el Cantar de los Cantares y así digo yo, negra, con ovários”

E eu digo, Salve as Negras Pensantes !

*Tia Eron é deputada federal pelo PRB Bahia (Licenciada) e secretária de Promoção Social e Combate a Pobreza de Salvador

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