O uso duplo da água

Artigo escrito por Marcelo Crivella, engenheiro civil, senador licenciado pelo PRB Rio de Janeiro e ministro de Estado da Pesca e Aquicultura

Publicado em 2/10/2013 - 00:00 Atualizado em 8/6/2020 - 09:07

Possuímos a maior reserva de água doce do mundo e mais de 8.000 quilômetros de costa. Ainda assim, metade dos nossos pescadores precisa da proteção do Bolsa Família e um terço deles do Brasil sem Miséria. Eis um paradoxo da conjuntura.

A reforma aquária é o enfrentamento e a garantia de que dessa crise sairemos, gerando emprego, distribuindo riqueza e contribuindo para a segurança alimentar do Brasil e do mundo, de maneira ambientalmente sustentável.

A reforma aquária é repartir as águas da União, e 0,5% basta para incluir milhões de brasileiros, sobretudo pescadores. Num lote aquícola não oneroso de cerca de 1 hectare, é possível produzir em tanques-rede 20 bilhões de quilos anuais de peixes de maneira sustentável –previsão que a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) calcula para o Brasil.

Claro que há áreas onerosas para que os empresários possam estabelecer empresas-âncora, que apoiem os pequenos e com eles ganhem escala para disputar o mercado mundial de pescado, que hoje já é maior que o de suínos, o de aves e o de bovinos juntos.

Isso é um novo pré-sal, com a vantagem de nunca se exaurir.

Para isso, três medidas importantes foram implementadas. O lançamento inédito do Plano Safra da Pesca e Aquicultura com recursos de R$ 4 bilhões; a desoneração do pescado, que passou a fazer parte da cesta básica; e a descomplicação do licenciamento ambiental em decisão quase unânime na última reunião do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente).

O Estado de São Paulo foi pioneiro na parceria do projeto com um decreto do governador Geraldo Alckmin simplificando o licenciamento ambiental, o que em seguida foi adotado por outros Estados. Nesta semana, no Palácio dos Bandeirantes, entregamos áreas aquícolas em Ilha Solteira e nos reservatórios de Jaguará e Capivara, que vão dobrar a capacidade de produção de pescado de São Paulo, passando de 17 mil para 34 mil toneladas anuais.

Na última sexta-feira, no Mato Grosso do Sul, entregamos outorgas para empresários e pescadores de áreas aquícolas por 20 anos que vão dobrar a produção do Estado.

Estão disponíveis os editais para áreas aquícolas nos reservatórios de Serra da Mesa e Canabrava, em Goiás, Lajeado, em Tocantins, e Manso, em Mato Grosso.

A reforma aquária proporciona, também, para os agricultores familiares, a oportunidade de incluir a aquicultura conjugada com a agricultura. Imagine se, antes de regar a soja, milho, arroz, feijão ou algodão, por exemplo, os agricultores usarem essa mesma água para produção de pescado em tanque-escavado, aproveitando os excrementos metabólicos do peixe para hidrofertilizar o cultivo, aumentando a produção e ganhando dinheiro com um criatório de peixes de impacto ambiental zero. É o uso duplo da água.

Isso não entrou na conta da FAO, mas é nosso dever acrescentar essa dimensão de riqueza ao patrimônio da nossa geração e tornar o Brasil o maior produtor de pescado do mundo. O planeta tem 1 bilhão de obesos e 1 bilhão passando fome. Para ambos os grupos devemos dar peixe. E brasileiro, de preferência.

*Marcelo Crivella é engenheiro civil, senador licenciado pelo PRB do Rio de Janeiro e ministro de Estado da Pesca e Aquicultura

Fonte: Folha de São Paulo
Foto: Douglas Gomes

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