Debaixo desta rua existe um rio

Artigo escrito por Atílio Francisco, vereador pelo PRB São Paulo.

Publicado em 10/2/2015 - 00:00 Atualizado em 5/6/2020 - 15:21

Venho há algum tempo me preocupando com o problema da água na cidade de São Paulo, mas um fato curioso chamou-me a atenção: o editorial do Jornal Folha da Vila Prudente com o título, “A novela do monotrilho” não só pelo atraso da obra, mas pela profundidade com que o assunto foi tratado, quando se referiu ao Córrego da Mooca que fica abaixo da Avenida Anhaia Mello e que sua existência parecia do desconhecimento dos responsáveis pela obra. Talvez, tenham apenas subdimensionado a força que o homem precisa para destruir um córrego.

O anonimato dos nossos córregos leva a população ao esquecimento da sua existência e da sua importância, os debates acontecem apenas sobre os projetos instalados sobre o asfalto: onde instalar uma ciclovia, uma faixa de ônibus, um monotrilho, ou onde colocar mais um radar.

Os córregos são lembrados quando atrapalham a construção de uma obra, e sempre no verão, quando suplantam o descaso com que são tratados e invadem ruas e avenidas criando um novo curso d’água sobre o asfalto a procura do leito de um rio para desaguar, castigando uma população que paradoxalmente, sofre de falta de água em suas torneiras.

Eu me pergunto: Até quando a existência de mais de 300 córregos e rios com mais de 1.500 km de extensão existentes na Cidade de São Paulo serão ignorados, esquecidos e escondidos por uma camada de asfalto ou de concreto?

Sabemos que a disponibilidade da água por habitante vem se reduzindo a cada década. Em 1950 o mundo tinha 2,5 bilhões de pessoas, hoje somos 7,2 bilhões habitantes. O crescimento populacional e industrial das últimas décadas vem comprometendo as águas dos nossos rios, córregos, lagos e reservatórios, sendo progressivamente poluídas pelo lançamento de esgotos domésticos, industriais, agrotóxicos e resíduos sólidos urbanos.

A preocupação na recuperação de rios poluídos vem ocorrendo há algumas décadas pelo mundo e em alguns casos não apenas revertendo, mas incorporando-os ao convívio com a população. Citarei alguns rios que foram recuperados cujo custo/benefício para a sua recuperação torna-se difícil de ser calculado pelo bem que trará a sociedade ao longo dos tempos.

Veja alguns exemplos. O Rio Cheonggyecheon, em Seul na Coreia do Sul, revitalizado em apenas quatro anos. O seu renascimento surgiu da implosão de um enorme viaduto que ficava sobre o rio criando em decorrência, um grande projeto de transporte público. O Han, também na Coréia do Sul foi outro rio que passou pelo mesmo processo em seus 514 km de extensão.

O Rio Tâmisa em Londres com um longo e interessante histórico de poluição. O Rio Tejo, Lisboa, maior rio da Europa ocidental, foi revitalizado em apenas quatro anos.

O Sena, em Paris, foi degradado por conta da poluição industrial e o recebimento de esgoto doméstico e o Reno com extensão de 1,3 mil km nasce nos Alpes Suíços passando por seis países europeus, e que era conhecido como a cloaca a céu aberto também foram recuperados.

Conscientizar a sociedade para uma educação ambiental é fundamental e imprescindível. Agora, culpar exclusivamente a sociedade pelo desperdício é colocar todo o peso da responsabilidade em um único ombro. Não foi o povo que poluiu os rios e córregos, aterrando- os ou transformando-os em valas de esgotos.

Ambientalistas vêm há algum tempo ressaltando a necessidade da preservação, elaborando análises e providências para os problemas existentes, que tende a ficar cada vez mais grave num futuro próximo, apresentando-se como uma das maiores ameaças para um tempo que não está distante.

Estou propondo um projeto para que onde houver na cidade de São Paulo a existência de uma nascente, um rio ou de um córrego abaixo de uma rua ou avenida seja colocada sua identificação com os seguintes dizeres: “ABAIXO DESTA AVENIDA EXISTE UM CÓRREGO”, citando seu nome.

Irei também propor o tombamento das nascentes da cidade, adequando-as a projetos urbanísticos.

Acredito que com esta identificação poderemos fundamentar e despertar na população uma educação ambiental mais concreta, não apenas a do desperdício e do lixo jogado na rua, mas uma resposta do porquê das torneiras vazias, o porquê das inundações e das invasões das águas em suas casas, para que ela possa cobrar dos atuais e futuros governantes, efetivas propostas para este mal que se arrasta há décadas, sem culpar a natureza por chover muito quando inunda ou pela seca quando chove pouco.

*Atílio Francisco é vereador em São Paulo e autor do livro “Respeito à Experiência”.

Autor do Projeto de Lei Tarifa Zero para Estudantes/2012,
aprovado pelo prefeito.

 

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